Era uma daquelas semanas rotineiras longe de casa. Eu estava no hotel, em Copacabana, apressada para a minha primeira reunião do dia. Sobre a cama, notebook, agenda, celular, meus creminhos antiidade, toda a parafernália de maquiagem, e um humilde Toddynho (porque não ia sobrar tempo de descer para o café-da-manhã). Enquanto respondia e-mails, dava batidinhas no rosto com os dedos e tomava o meu achocolatado, assistia a uma entrevista do Ministro da Saúde, José Temporão, sobre a vacina contra a Influenza H1N1. Em meio aos esclarecimentos sobre a vacinação, num parêntese de informalidade, o Ministro declarou não ser brasileiro. Surpreendida com a informação, aumentei o volume da TV e corri rumo ao banheiro pra escovar os dentes (pela segunda vez).

- Eu nasci em Portugal” – dizia o Ministro.

Um sorriso “empastado” para o espelho. - Minha nossa senhora! Com que roupa eu vou? - dramatizei.

- Sou luso-carioca, porque cheguei ao Rio de Janeiro no dia em que eu estava fazendo um ano de idade!” - Imaginei um menino bochechudo numa roupa de marinheiro.

Quinze segundos encarando a mala. Separei o casaquinho branco e o lenço de seda azul - fiz ar de indecisão. Alguma semelhança com o figurino do Temporãozinho imaginário?

- Meu pai, José Temporão, é dono de um restaurante muito tradicional aqui no Rio de Janeiro. Mosteiro, Restaurante Mosteiro. Há quase 50 anos!” - Fiz as contas da idade do Ministro.

Tirei o bob da franja, flexionei o tronco (meus joelhos disseram “oi” pra mim) e amassei as madeixas com o meu fluido milagroso Expert Liss Ultime Serum Perfecteur de Brillance – Han?

- Culinária portuguesa. Tem umas empadas sensacionais, vale à pena! É a melhor do Brasil. Sensacional!”.
...
Temporão, tempero... Que temperão essas empadas devem ter – devaneei à medida que colocava os brincos, ajeitava o lencinho no pescoço e beijava um pedaço de papel higiênico (é pra tirar o excesso do batom, viu?). Chamei o tio Google, digitei “Mosteiro”, anotei o endereço, borrifei perfume atrás da orelha, abri a porta com o cotovelo e sai com os braços abarrotados, celular espremido no ombro. – Alô!

Naquela manhã, minha última reunião era no centro do Rio. Destino? Não levei mais que dez minutos de taxi! O endereço fica numa ladeira de mão única, a São Bento, número 13. Lá estava o tal Mosteiro. O cortês porteiro grandalhão mais parecia um pigmeu defronte à porta colossal. Dentro, as paredes e colunas revestidas em madeira, os muitos lustres e quadros dão a sensação de aconchego e um toque clássico à decoração. Tudo parece ser cuidado nos detalhes. Falei ao garçom que estava ali pra conferir a indicação do Ministro Temporão, citando brevemente a entrevista.

Mal me acomodei à mesa, sem que eu pedisse, serviram-me uma empada. Não foi bem algo do tipo, “a senhora aceita?”. Aquela veio pra mim sob encomendada. Fiquei em dúvida se era uma cortesia, mas não questionei. Afinal, eu ia mesmo querer uma. Sabe aquela massa fofinha que derrete na boca e não esfarela na roupa? No ponto. E o recheio? O Ministro não exagerou. Para almoçar, o menu oferecia umas vinte opções de bacalhau – escolhi uma. Perfeito! Fez jus às minhas expectativas. Não é todo dia que a gente se dá ao luxo de almoçar num restaurante daquela categoria. Então, fiquei a saborear o prato sem pressa, enquanto observava, com discrição, o movimento da casa e as pessoas.

Certo momento, uma figura curiosa. Um senhorzinho, talvez mais velho que a sua aparência. Cabelos pretos como uma graúna, terno impecável, e uma simpatia que de longe transbordava no sorriso emblemático, que só se fechava quando passava uma bandeja, que ele acompanhava girando sobre os calcanhares, com o olhar esticado, até se certificar se a expressão do cliente na primeira garfada era de satisfação. Às vezes desaparecia pela cozinha, e logo voltava cumprimentando a todos como faz um bom anfitrião. Era o pai do ministro – constatei. E lá vinha ele em minha direção. Já chegou perguntando se eu havia aprovado a empada, ou não.

– Maravilhosa! Assim como o bacalhau. O senhor é o seu Temporão, não é? – me certifiquei – Quanto prazer!

Ele já sabia que eu havia visto a entrevista e lamentou não ter podido assistir. Falei que havia ficado surpresa ao saber que o Ministro não era brasileiro. E o que ele me contou? Que chegou ao Brasil no dia em que o filho completava um aninho.

– Ele disse isto na entrevista! – falei eufórica (doida pra investigar se ele vestia uma roupa de marinheiro, como era costume as crianças usarem antigamente).

Tivemos uma conversa animada! E quase não acreditei quando ele me contou a sua idade. Oitenta e seis anos. É mole? E o segredo de toda aquela energia: trabalho, muito trabalho, dedicação e amor ao que faz. Ganhei a minha hora de almoço só por conhecer aquele homem notável por sua elegância e vivacidade. Se já não bastasse a comida e atendimento excelentes, para minha maior surpresa:

- Hoje, a senhora não vai pagar nada. É cortesia da casa!

- De jeito nenhum, seu Temporão! Eu faço questão de pagar.

- A senhora não vai me impedir de um gesto cavalheiresco! – finalizou com um sorriso. E saiu todo faceiro pelo salão, segurando as mãos para trás e olhos vivos para as bandejas. Fiquei hipnotizada, boquiaberta, me beliscando. Que dia!

Foto: divulgação