Esses dias, eu estava com o “quinteto” no nosso entusiástico almoço semanal, quando um telefonema inesperado deixou atônitas as irmãs Markan. Uma tia muito querida, que nem estava doente nem nada, subitamente morreu. Aliás, prefiro o termo desencarnou. A palavra morte denota o fim de tudo, coisa que de fato não existe pra mim. Mas, enquanto o garçom fechava a conta, eu buscava palavras (se é que elas existem nessas horas) para confortá-las. Elas estavam muito abaladas (e perplexas) porque um dia antes a tia estava em perfeito estado. Isso nos fez refletir brevemente sobre a fragilidade da vida. Reflexão que me acompanha até esse instante, e que compartilho agora.
Essa chama que é a vida só precisa de um sopro para se dissipar. Simplesmente acontece. Ninguém está imune. Porém, habitualmente só estamos atentos a essa possibilidade na eminência de algum problema de saúde. Subestimamos a nossa vulnerabilidade. Esquecemos que o corpo humano é suscetível a uma série de ameaças! E nem vou pontuá-las aqui porque esse não é o foco. Eu quero falar daquela vozinha da consciência que clama “criatura, te alui!!!”, quando experimentamos a perda de alguém próximo de nós. É quando vemos claramente o quanto tudo é transitório, efêmero. Tudo. Tudo passa. Esvai-se. A vida cessa (pelo menos esta atual). Também nos faz pensar nos valores do mundo materialista e consumista no qual estamos envolvidos. E num piscar de olhos caem centenas de fichas, enxergamos coisas tão óbvias, vistas antes com uma leviana indiferença. Como por exemplo, a nossa pouca sabedoria em conduzir a própria vida.
Tantas vezes desperdiçamos tempo valorizando coisas sem importância, incitando a raiva, o ressentimento, dando asas a sentimentos pouco nobres como o orgulho (que ingenuamente chamamos de “amor próprio”), nos desarmonizando com pessoas que amamos etc., etc.. Descartamos boas chances de ser feliz. Amiúde, temos mesmo tudo pra ser feliz. Mas escolhemos viver ao sabor das nossas insatisfações e lamúrias. Não damos valor ao que temos de precioso, às pérolas que muitos desejariam em nosso lugar. A qualquer preço.
Mas, essa pouca inteligência também permeia a nossa covardia. De admitir uma vida medíocre. De encarar os problemas de frente. De “chutar o balde”. De mudar. De recomeçar. Empurramos a vida com a barriga (uma vida inteira). Canalizamos a energia de toda uma existência para coisas que deviam ter valido, no máximo, uma fase passageira para servir de aprendizado. E aí? Olhamos para trás e conjecturamos vários “se’s”. Os “e se eu tivesse feito assim”. Os piores erros que cometemos se dão pela atitude não tomada, a palavra não proferida, a decisão protelada. Temos muito medo de arriscar. E esse medo é que nos rouba novas oportunidades. Inclusive, de nos encontrar. Arrepender-se do que fizemos ou do que deixamos de fazer. O que é pior? Às vezes, é melhor correr riscos (com responsabilidade) que ter uma vida desventurada.
Ninguém quer falar sobre a morte, esse destino irrevogável. Escrever essa palavra é até esquisito. Tão pouco pensar que a areia do cone superior da nossa ampulheta da vida pode estar minguando. Todos nós estamos sujeitos a ser surpreendidos pela “ruptura” irreversível. Não importa o que estejamos a fazer, quais projetos tenhamos ainda a realizar. Chegada a hora, c'est fini. O livro fica sobre a cabeceira com o marcador na metade, e vai sobrar três quartos do perfume regrado para as ocasiões especiais. Essa mania de deixar para amanhã, de guardar para depois, de adiar os planos, de ficar criando coragem para fazer o que tem que ser feito já, é pura tolice (pra não dizer burrice).
Vamos usar as taças de cristal, o aparelho de porcelana, os talheres de prata (o perfume francês pode deixar para os momentos especiais). Fazer, agora, as pazes com o nosso amor, pedir desculpas a quem magoamos, sobretudo perdoar! Mas, principalmente, vamos nos esforçar em ser pessoas melhores. Melhores em todos os papéis que desempenhamos na sociedade em que vivemos, no nosso ambiente de trabalho, no nosso lar, com a nossa família. Esse dia que a gente desperdiçou em nome dos nossos caprichos, não volta mais. E amanhã... Amanhã pode não existir.
"Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Muitas vezes, ousada". (Lya Luft)
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Foto divulgação.
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